segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O Canto da Sereia Morta


Foto| Kyle Thompson
 para Clara Nunes


E eu era dessas, daquelas, de todas as formas
e colhia tempos e tentava congelá-los para
evitar que a vida  fosse
                                   tão rápida, tão mínima, tão flash.

Peguei a estrada,
inventei ternuras,
armei estragos
e sinto as falhas tornarem-se assombrações – é  sempre um bate e volta
                                           (uma terceira de Newton).

Beijei homens sem dentes,
homens que chupam a pedra
e depois cospem na mão para calar o Diabo.


Beijei mulheres mortas,
mulheres sem pernas e sem braços – sereias suburbanas
(capazes de seduzirem a Lua e morrerem ao Sol).


Eu era a caminhante,
a caçadora de improbabilidades,
a especialista em vazios,
a montadora de quebra-cabeças sem peças.

Caminhei com os fracassados
e aprendi a passagem rápida para o desespero,
                                                    para o estopim.

Hoje não falo mais que treze palavras por dia,
sou das superstições, da reza brava, do tipo
q tece a própria corda para embalar o pescoço
depois de uma vida ruim.






sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A Morte de Carlos Drummond de Andrade


“Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.”

Poema da Purificação – Carlos Drummond de Andrade


Acordar e ver o quarto tão cinza que mesmo ao abrir a janela nenhum efeito dos raios solares contribui para diminuir o efeito do último incêndio. Pela terceira vez ela ameaçara incendiar os livros:

“Pobre tem que trabalhar!”
“Essas escrituras envenenam seus pensamentos.”
“Só os ricos podem se dar ao luxo de ler.”
“A louça está suja.”
“Nenhum homem vai querer casar com você.”

Eu tinha pena dela, também tinha ódio, às vezes receio, às vezes respeito. Por fim não relutava, pedia licença para Drummond e saía às seis da manhã para procurar emprego. Trabalhei em linhas de produção, contaminei meu organismo com baterias de celulares e foi ali que constatei a poesia de Maiakovski: "Grita-se ao poeta: "Queria te ver numa fábrica! O que? Versos? Pura bobagem"." Sentia o quanto eram falsas as palavras de minha mãe, pois nos livros existiam descrições perfeitas da vida lá fora, embora a vida lá fora não tivesse tempo suficiente para compreender os livros. A vida lá fora vendera seu tempo, minha mãe vendera sua vida e eu estava prestes a vender minha alma. Meu emprego era um lugar onde pessoas entravam e saiam a cada segundo, ninguém permanecia ali por muito tempo, o pagamento era bom, mas como não havia plano de saúde noventa por cento do salário entrava nos bolsos dos médicos. Um mês era o suficiente para um cidadão de bem suportar aquilo, eu fiquei ali por quatro anos. Nos intervalos (quando aconteciam) escrevia para os meus autores testemunhando a veracidade de seus escritos.

“Querido Drummond, minha mão também está suja, não a escondo dentro dos meus bolsos, pois não posso contaminá-los de radiação.”

“Caríssima, Clarice! Escrevo-lhe com borrões vermelhos de sangue, minhas unhas não suportam os movimentos repetitivos, as baratas possuem uma vida melhor.”

“Sr. Gabriel Garcia, a solidão que acompanha essa gente durará centenas de milhares de anos. Leve-me para Macondo!”

Quatro anos e nenhuma resposta. Na caixinha do correio apenas propagandas dos mercados e contas a pagar. A vida ficou mais difícil, eu estava completamente contaminada com as suas doutrinas. Não havia mais tempo para os livros, chegava cansada, ligava a TV e mastigava algum alimento fácil. Minha mãe já não era a mesma, até beijava meu rosto, arrumava meu quarto e limpava a pequena biblioteca. Os livros já não eram mais perigosos, tornaram-se enfeites na estante da sala. O vazio dentro de mim era descarado, gritava no meu espelho, tremia as paredes, perturbava os meus sonhos. Cheguei ao ponto de ter um verdadeiro nojo das palavras escritas, depois das palavras ditas e por fim fiquei muda. O trabalho tornou-se desinteressante, antes existiam intervalos, antes eu era a espiã de Clarice, Drummond e Garcia Marquês, mas agora minha missão tinha terminado. Assim que fui promovida pedi demissão, não queria mais fazer parte da história daqueles autores, esse mundo era feio demais, inútil demais, não havia sentido viver na descrição de uma vida tão penosa.

Voltei para casa e contei a boa nova para a família, batizaram-me “a louca”, minha mãe trancou os livros caso eu tivesse a intenção de voltar a lê-los. Ameaçou queimá-los (novamente tornaram-se perigosos). Disse a ela que não se preocupasse, eu não os queria mais, não tinha mais curiosidade de conhecer o mundo inventado por eles. Peguei um fósforo e queimei Drummond. "Morra triturado por uma pedra denotativa, morra no meio do caminho, morra com as mãos sujas!" Drummond incendiou todo o resto. Clarice gritava em meus ouvidos: “Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias.” 

Eu não tive pena, o mundo precisava de novos autores, o mundo necessitava de uma nova visão.

Lá fora o mundo adormeceu no fogo, eu sabia que tudo não passava de uma grande ficção.



terça-feira, 14 de outubro de 2014

Que o meu sonho nunca assombre você




Do outro lado
sou a mulher
"de quatro paredes"
ao som de Billie Holiday.

Apenas uma “branquela” aborrecida
q sonha ter a cor da terra para ser mais inquilina,
q sonha ser Angela Davis.

Deito-me no solo e afundo nos dias frios.
                                              [dias de rabadas humanas.

A canção diz: “Little white flowers
                      Will never awaken you.”

Quando permanecemos estrangeiros
predomina uma fome de explorar
e não importa se oprimimos
o músculo do entregador de compras
ou o estômago podre de uma vespa morta.

A canção diz: “Soon there'll be candles
                       And prayers that are said I know”

Gosto da música dos abortados,
            da música dos malditos,
            da música que canta o apego arruinado.

A canção diz: “Darling I hope
                     That my dream never haunted you”

Enquanto escrevo, você cai no sono.
O amor é a eterna espera do “Bom dia!”




sábado, 4 de outubro de 2014

Três poemas lá na "Escritoras Suicidas" edição 48 | outubro de 2014


www.escritorassuicidas.com.br edição 48 | outubro de 2014


Saiu hoje a nova edição da Revista Escritoras Suicidas, fui convidada a fazer parte dessa leva com três poemas que abordassem os temas: uma andorinha só | amuleto | old times.
Quem quiser ler estou lá na seção de convidadas junto com Difunta Correia, Jeanne Araújo, Lâmia Drakoi Del Trópico e Tere Tavares. Além disso têm várias autoras fixas da revista com poemaços:
adelaide do julinho | adriana brunstein | adriane garcia | alice barreira | bernadete reutman | carla diacov | carla luma | carolina caetano | daniela delias | heloisa defarge | isadora galvão | larissa marques | lia beltrão | líria porto | mafalda mautner | mariza lourenço | nina rizzi | priscila merizzio | sabina mayfair | silvana guimarães | sonia viana | tati skor | valéria tarelho.

As fotografias que ilustram essa edição é da Priscila Merizzio.

Para leitura >

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Mural de Recados I

Dia 02 de setembro foi publicado no blog Poema Diário meu poema "Minha Mãe Costurava para Travestis". O Blog é editado por Daniel Russell Ribas e têm vários poetas desta e de outras gerações. Vale muito a pena visitar. 

Desde o dia 05 tá rolando a III Mostra Londrix de Vídeo Poema e um dos meus videos está lá "Estéril Coletivo" com mais outros onze videopoemas de poetas desse Brasil. Também está rolando uma votação online para a escolha do melhor videopoema. Sinceramente já me contento com o fato do meu vídeo ser exibido durante o Festival Literário







sábado, 23 de agosto de 2014

"Irish Car Bomb" & outros poemas na Revista Germina │ revista de literatura e arte

Na última edição da Revista Germina foram publicados doze poemas meus. A Germina é uma revista dedicada à arte contemporânea e além de poemas o leitor se depara com contos, vídeos-arte, crítica e uma série de variedades artísticas. 



Link para os meus poemas, é só clicar 



E eu saboreio uma Irish Car Bomb




Eu bebia uma Irish Car Bomb
enquanto crianças eram pulverizadas por
bombas israelenses.
O Mal distante é legítima ficção
até o dia que nos extraem
de nós mesmos para sermos outros.
Meu vizinho é um corpo de carne e ossos
e se ele se incendeia eu penso em performance.

Adel Kedhri (Tunísia): performer
Jampa Yeshi (Índia): performer
Lâm Văn Tức (Vietnã do Sul): performer
Prema Devi (Índia): performer

Contam que após o domínio do fogo
nossa espécie transubstanciou o cérebro
para algo hábil a criar bombas e rodas.

Adel Kedhri incendiou-se
Jampa Yeshi incendiou-se
Lâm Văn Tức incendiou-se
Prema Devi  incendiou-se

São Martinho articulava sobre o Homem ser fogo,
Buda propunha que o coração é a lareira
e Heráclito dizia:  do fogo tudo flui.
                             
Adel Kedhri é uma mensagem
Jampa Yeshi é uma mensagem
Lâm Văn Tức é uma mensagem
Prema Devi  é uma mensagem

Sonho com uma tempestade de fogo,
sonho com olhos volvendo em cinzas,
sonho com o cheiro amedrontador do Deus dos Mortos
colhendo infanticídios no campo de girassóis da Ucrânia.

Adel Kedhri é um noticiário
Jampa Yeshi é um noticiário
Lâm Văn Tức é um noticiário
Prema Devi  é um noticiário


E eu saboreio uma Irish Car Bomb


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Um conto lá na Revista Flaubert



Estou na sexta edição da Revista Flaubert com o conto  c o m e r c i a l ((A inevitável multiplicação do universo)). A convite do escritor e editor regional da revista Maurício de Almeida estou lá com mais três escritores de Brasília:  Lara Amaral, Lívia Milanez e Ser Leo. 

 A revista Flaubert foi citada pelo site espanhol Papeles Sueltos como uma das melhores revistas de literatura em língua portuguesa.

(...) Na maioria das ocasiões eu via alguém em prantos, alguém que era capaz de representar uma tristeza tão profunda que passei a intuir, desde cedo, a infelicidade anônima do universo...




 

segunda-feira, 28 de julho de 2014

v a n g o g h i n i a n a │ Parte I

Colagem sobre Vincent van Gogh │ LISA ALVES

Eram sonhos amarelos,
a depressão escorria pelas paredes,
as janelas eram cobertas por uma espécime de lodo quente...

Ela pedia para eu ler  Notas do Subsolo
e eu teimava em descrever meus sonhos no bloco de contas.
Eu dizia: “Eram sonhos amarelos...”
e Ela perguntava: “Esse é o caderno de contas?”
Aborrecida eu fechava o bloco e batia a porta na cara dela e mesmo assim mais tarde
nos descobríamos no Café para ter mais uma DEÉRRE.

Enquanto ela discorria sobre minhas péssimas atitudes eu tomava um Cabernet e pensava como eu não entendia nada de vinhos e que talvez um dia eu pudesse fazer um daqueles cursos inúteis de degustação para me ostentar para um bando de gente do mesmo modo inútil que também não entende coisa nenhuma de vinhos.

Ela perguntava sobre o meu silêncio  e eu respondia "Vinhos!"
Também acho que você já bebeu demais!” – indagava e eu a encarava ao estilo blasé e retrucava: “Abusada!” e ela ria como se eu tivesse dito Você é mais brilhante que Sírius!”

Ela era definitivamente intuitiva,
sentia o aroma do insucesso de longe e
me dizia friamente: “Você não nasceu para fazer o que deseja.”

Eu morria em todas as suas intuições e renascer era cada dia mais complexo.

Você têm esperança? (eu perguntava)
Eu já esperei o suficiente! (ela respondia)

Sempre fui egoísta demais para repartir o meu espaço/tempo e todas as vezes que ela sugeria para morarmos juntas eu a lembrava sobre minhas velhas manias noturnas de ouvir rock e minha compulsão por limpeza.

Você é uma chata!
 (ela rememorava)
E a novidade?
 (eu replicava e baixava o aro dos meus óculos imitando um dos oito maiores clichês do cinema)

 Só não compreendia o que levava eu sempre pagar a conta.

Por que a conta só vem para mim?
(questionei o garçom)
Perdão, mas não é óbvio?
 (levantou os ombros e saiu murmurando: “Só loucos, só loucos!”)

Na mesa ao lado três adolescentes "riam-se de mim" (como diria Pessoa) – outra cena inclusa entre as oito maiores encenações clichês do cinema



sábado, 12 de julho de 2014

Recados para a Segunda Inquilina

Foto: Murad Haussmann


Meu coração é derivado da gênese milenar de um buraco negro. Depois da primeira explosão surge a matéria escura e permaneço palpável entre quarks e fragmentos de cristais. Até depois do fim da última substância química sou misturada com a eliminação e torno-me a anti da anti matéria.

Não decifro o mundo como se ele fosse uma questão exposta em um jogo de desafios. Tudo o que assimilo são impressões – registros de um grão de areia no Saara pendurado em seu cachos, a areia de sua boca cursando minha língua, o sal do seu corpo invadindo os meus poros.

Amanhã abafo a razão e faço tudo ao contrário – até o meu Sim vestirá os trajes de Nãos. E você compreenderá que a guerra nunca esteve lá fora, a guerra comia e bebia ao seu lado, a guerra comia suas partes íntimas e depois acendia um K2 para aliviar sua retaguarda.

Hoje fumo e amanhã invento campanhas contra o tabaco. Incoerência? Pensa isso por não notar a matiz escura nos pulmões, por não tratar o enfisema e nunca ter purificado os lenços sujos de sangue. Eu vi pessoas morrerem depois de uma vida de amor e o medo era o mesmo dos desgraçados. Todos nós morreremos com alguma dúvida – a entrada e a saída são sempre solitárias, só o caminho é uma questão de escolha (Será?).

Ontem você lia Brecht e hoje não consegue separar o ansiolítico da anfetamina. E eu odeio tudo o que nasce de você, tudo o que brota da sua mente, todas as suas velhas manias. Contudo não consigo me livrar de sua figura, de suas novas rugas e dos fios brancos apresentados todos os dias no espelho.

O que faremos depois desse Nada? Vou resumir nossa biografia em um cartão postal personalizado – nossa foto com cinco anos de idade depois do resgate. Sei que depois daquele acidente nos tornamos ambiexistentes – capazes de transitar entre o Céu e o Inferno, entre Tudo e o Nada.

Carrego você aqui dentro, em todas as pequenas coincidências, no cisco de minha unha e não sei se lanço para fora ou mastigo a sua existência para que mais uma vez duas coisas se tornem outra coisa ou simplesmente sejam eliminadas no período de fusão.



Obs. Quando despertar não esqueça o saco de pães aberto e deposite água para os gatos, da última vez que você ficou topei com a casa toda aberta e o gato mais novo doente e desidratado. Posso até partilhar o meu corpo com você, mas tenha a dignidade de zelar da casa na minha ausência. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Último Refrão da Música

"El velatorio'" de Eugene Smith



Dedicado  à Juliana Botão

                   Lara Amaral

                                 Katyuscia Carvalho

                  e Jana Cruz



Quando um pai morre

uma filha reveste o pescoço de proteção
e joga sal grosso na casa
e toma banho de ervas benzidas.

Quando um pai morre
morrem também os espinhos tutores das rosas,
morrem os bravos guerreiros do inconsciente
e a força motriz q nos faz caminhar no Tenebroso Mundo Nosso.

Quando um pai morre
os outros homens tiram os chapéus
& os carregam contra o peito
& cantam pelos órfãos da casa
& choram e bebem até que a alma
do paimorto se levante e cante o último refrão da música:
             
(só quem vela conhece a canção)

Quando um pai morre 
as mães vagam em um deserto imaginário;
folheiam o álbum de casamento e quando um filho queda
a mãe repreende: “Ainda bem que Ele não está aqui para assistir isso!”

Quando um pai morre 
o nosso yin yang  fica manco,
um dos pólos derretem,
as vezes fica só o dia ou
somente a noite povoando
                         [as estações.

Quando um pai morre buscamos nas escrituras sagradas
uma eternidade tardia e se não a encontramos
decodificamos “A Mesa” de Drummond
até nos acharmos em um daqueles filhos
e digerir a ideia do ciclo natural da existência.

Quando um pai morre nossa orbe
 fica sem um pedaço e uma ferida
se expande silenciosa até chegar o
tempo de uma inevitável metástase.

Quando um pai morre partimos para
o deserto mais instantâneo e gritamos
pelo nome do progenitor até que o
lugar inabitado destrua o eco de nosso luto.

Quando um pai morre um filho surge
em outra banda do mundo – o qual
será também, um dia, mais um pai que morre
 com todos os benefícios adquiridos pela vida e pela morte.

E as mães? Não! Uma mãe nunca morre!



sábado, 26 de abril de 2014

quinta-feira, 20 de março de 2014

│e u t e n h o u m s o n h o│



Foto de Juliana Botão  Interagindo com as instalações de Yayoi Kusama





Linguagens, vozes, traduções de existências


PRANA, PRANA, PRANA


Soprar para dentro e
logo devolver uma
 nova composição.
Sorver o aroma da extinção – respirar.


JIVA, JIVA, JIVA


Percorrer as ruas do Mundo – buscar sinais, respostas, dicas para o escape.


PRANA JIVA, PRANA JIVA, PRANA JIVA

Cair, perder o fôlego,
transportar a idade nos genes
e  assistir novas vozes gritarem: REVOLUÇÃO!


I HAVE A DREAM

Beber com os antigos,
peregrinar com  fetos em gestação
e contemplar as novas expressões.


EU TENHO UM SONHO


 A História rejeita as multidões.
Fomos enjaulados em uma consciência de 3ª. Classe.

“Atenção passageiros da 3ª. Classe, essa vida não possuí viagens de 3ª. Classe!”

Busco fendas,
passagens secretas,
aceleradores de partículas.

Uma voz questiona:
Cadê o seu sonho?

RESPIRAR, RESPIRAR, RESPIRAR