quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Dissolver da Primavera

Se você consegue ouvir este
sussurro você está morrendo"

The Great Gig in the Sky - Pink Floyd





Quando setembro chegou
recebi um grande buquê
de flores em extinção.
Medo do presente,
um pouco de deslumbre
e depois compaixão.

A principio imaginei honrarias,
privilegios e toda sorte de fantasias.
Mas quando setembro acabou
elas partiram, dissolveram-se
em um vaso antigo.

Agora só tenho uma dor calada,
um lamento triste que me segue pelas manhãs.


Η θεία μου

Desejo que você possa velejar nos mares mais calmos de todo o universo.
Desejo que você possa não apenas enxergar novamente as cores – mas também tocá-las e com o poder da sinestesia sentir o sabor do vermelho e do azul.
Desejo que você corra rumo ao infinito e nunca mais olhe para trás.
Desejo que você em algum minuto pare e possa contemplar a beleza do sol acariciando o mar.
E que possa sempre voar ao encontro do seu verdadeiro destino.


RUA TIA NICA 70 (escrito em 19 de novembro de 2007)

Na casa onde vivera por vinte anos, ela voltou
 (não para permanecer), mas para testificar suas raízes. 
Olhou os quadros, olhou para sua velha-guarda e sentiu um aperto no peito
                                          (não era um aperto de dor ruim e sim aquele aperto de ausência).
 Não tê-los ali, do seu lado, para trocarem olhares de vida
era tão ruim quanto ouvir gritos de socorro do lado de fora
e do lado de dentro não poder fazer nada. 
A avó com seu semblante confiante e elegância parecia dizer com seu tom imperativo:
“É isso mesmo, minha neta, continue indo! E jamais permaneça!”

Já o avô de olhos oceânicos, guarda-chuva na mão e paletó envelhecido,
não parecia dizer nada.  Em vida, foi um homem de poucas palavras,
 quando cogitava falar, optava pelo seu livro de anotações onde contabilizava perdas e ganhos da fazenda.

Os portais continuavam amarelos, a varanda
 e o banquinho também eram os mesmos,
 só ela que não se encaixava naquele livro de recordações.
Não era parte do Todo genealógico:
não estava nos santos expostos na parede,
não estava no jardim que outrora fora o mais florido de toda redondeza
e nem mesmo na garagem que servia para guardar a imaginação
de crianças “endiabradas”, como queixava-se Tia Deca.

Era incrível, mas a vizinhança era a mesma:
um monte de Donas Marias, Antônias, Comadres e Compadres.

Um verso passeou pela rua Tia Nica:

um verso imutável, digno de ser pintado,

um verso tão sólido que não se desmancharia no ar,
apenas voaria.

Entraria pelas portas, beijaria as comadres e saudaria os compadres.

E ela pôde ver a forma desse verso:
não era um soneto e muito menos um alexandrino.

Os parnasianos o invejariam e os pré/pós modernistas diriam:
Eta vida besta, me Deus!