quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Ponte

 
Tela: Victor Cauduro


É escusado sonhar que se bebe;
quando a sede aperta, é preciso acordar para beber. 
Sigmund Freud



        Olhava as flores do quintal e sentia uma nostalgia atemporal, uma espécie de sentimento que habitava aquele quintal por séculos – sentimento que visitara um dia seus antepassados e naquele instante instalava-se nela de uma só vez. Olhou as horas e sabia que daqui alguns minutos teria que partir e partiria não só daquele lugar – partiria também seu espírito, seria dividida em várias, um membro para cada espaço geográfico. A mãe com lágrimas nos olhos a abraçou tão forte que naquele instante ela se confundiu e já não sabia mais quem era quem. O pai sentado no sofá, com semblante insatisfeito, não agiu, não falou, não abraçou – apenas pediu-lhe que telefonasse caso chovesse muito pela estrada, o que ela interpretou como: ”Caso aconteça algo ruim, volte!”

Acordou de um sonho de despedidas, o efeito do ácido lisérgico terminara. Tomou uma dose de água, riu e pensou: “Se eu não fosse órfã, teria sido uma bela despedida!”.