(para Oswald de Andrade)
Eu, nascida entre fezes e urinas, declaro para todos os fins que além de não
acreditar na existência divina também passei a não crer mais na existência
humana. Logo, percebo que também deixei de existir no exato momento que a
descrença na minha espécie floresceu. Não abasteço mais minha alegria com a
famosa esperança e tão pouco culpo os demais seres por esta tristeza que
acredito sentir. Enterrei o romantismo junto com as catedrais espirituais e a
música que ouço perdeu toda a sua melodia.
Eu, filha de uma experiência mal sucedida, declaro minha abnegação à matéria
palpável e a tudo aquilo que provém do meu sexto sentido. Não pedirei
misericórdia aos deuses e nem entenderei mais o mundo estudando as últimas
descobertas científicas.
Eu, filha do capitalismo, declaro minha impotência econômica, fruto de uma
escravidão disfarçada em um trabalho assalariado. Não sacrificarei mais meu
tempo de sobre-vida dando lucro à Máquina-Mãe do Capital.
Eu, filha de uma terra explorada, declaro minha ignorância em relação às minhas
raízes indígenas. Aprendi a sua gramática inglesa e desconheço o meu dialeto
tupi-guarani.