sábado, 26 de dezembro de 2009

Presente de Natal ou o Nascimento da Tragédia

Pesaram o símbolo em uma balança arcaica, anotaram e embalaram o objeto.

No outro dia todos os cidadãos receberam um presente em suas portas:

uma pequena ave de rapina feita de aço, asas abertas e olhos inquisidores.

A nação ganhara um símbolo, um ideal a se seguir: “O céu agora é nosso, todos os demais pássaros serão considerados alimento.”.

sábado, 12 de dezembro de 2009

O Avião Fantasma








Falta a palavra inicial para dar vida a algo que insiste em nascer. Espero com os olhos fechados o sopro no ouvido ou o resgate de uma inspiração causada pelos alucinógenos. Olho para o relógio, olho para as paredes, olho para a janela e não há nada que me oferte a palavra inicial. São quatro horas e vinte quatro minutos. Olho para o telefone e sinto vontade de tirá-lo do gancho, só que a vontade e a ação se desentendem e minha mão continua ocupada tentando violar o espaço que separa os meus dedos da velha máquina de escrever. Ouço um caminhar no teto, não é um invasor, é apenas a vizinha do 222 que está com insônia. Lá fora não há barulho e nem mesmo silêncio, no entanto a algo indefinido que atrapalha o sono de todos. Brasília é realmente um lugar estranho: as pessoas não vivem aqui, apenas povoam. Não há gatos e nem cachorros correndo soltos pelas ruas e nem beijos de namorados nos portões. Por aqui não há portões, só grades e porteiros treinados para desejarem uma boa noite para todos.

Quinze para as cinco da manhã e consigo sentir toda a matéria do tempo me tocando. Os ponteiros do relógio emitem sons que ousam revelar o nome da palavra inicial e meus ouvidos tentam decifrar a dicção mecânica daquele tic tac. Talvez a palavra tenha relação com silêncio ritmado, pois entre o tic e o tac há uma ausência constante de som. Ainda assim observo atentamente cada respiração acidental dos objetos do quarto, pois sei que as respostas se encontram no improvável ou naquilo que sempre foi o que é. Suspeito apenas de que Brasília continuará sendo Brasília por longos anos e talvez a única mudança que possa acontecer seja uma variação em suas funções. Todas as madrugadas são iguais: onde há Plano tem insônia e tédio, onde há Satélite tem medo e homicídio.
Lisa Alves

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Antiquário dos Ingratos

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. - Carlos Drummond de Andrade

Fizeram-te uma criança nessa altura dos anos.

Jogaram-te para a adoção de velhas quinquilharias.

Agora o que leva nessa bagagem antiga e cheia de traças? – o reconhecimento por ter sido tão passiva?

Teus filhos quebraram os pratos, maldisseram tua comida – trocaram-lhe por fast-foods e sucos gaseificados.

Teu marido sumido compartilha a velhice com qualquer uma que tenha menos linhas na face.

Lembra de quando batias no peito orgulhosa da postura dedicada? – mal sabia do buraco que um dia a jogariam.

Dona Neuza (a solteira), mal falada na vila, hoje canta pelo mundo e coleciona fotografias.

E a senhora onde andava, além das fronteiras da cozinha?

Mas agora é tarde e o caminho limitado. Ao redor somente muros e o rancor da ingratidão.

Nunca foste Pagu e nem Maria Bonita, então faça desde ódio somente uma lição: não existe liberdade encontrada em doutrinas. Você nunca foi costela, nem a sombra de alguém.

Desculpe-me pela realidade eu também senti a dor: fui largada pelos filhos e não tenho um vintém.