segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Último Refrão da Música

"El velatorio'" de Eugene Smith



Dedicado  à Juliana Botão

                   Lara Amaral

                                 Katyuscia Carvalho

                  e Jana Cruz



Quando um pai morre

uma filha reveste o pescoço de proteção
e joga sal grosso na casa
e toma banho de ervas benzidas.

Quando um pai morre
morrem também os espinhos tutores das rosas,
morrem os bravos guerreiros do inconsciente
e a força motriz q nos faz caminhar no Tenebroso Mundo Nosso.

Quando um pai morre
os outros homens tiram os chapéus
& os carregam contra o peito
& cantam pelos órfãos da casa
& choram e bebem até que a alma
do paimorto se levante e cante o último refrão da música:
             
(só quem vela conhece a canção)

Quando um pai morre 
as mães vagam em um deserto imaginário;
folheiam o álbum de casamento e quando um filho queda
a mãe repreende: “Ainda bem que Ele não está aqui para assistir isso!”

Quando um pai morre 
o nosso yin yang  fica manco,
um dos pólos derretem,
as vezes fica só o dia ou
somente a noite povoando
                         [as estações.

Quando um pai morre buscamos nas escrituras sagradas
uma eternidade tardia e se não a encontramos
decodificamos “A Mesa” de Drummond
até nos acharmos em um daqueles filhos
e digerir a ideia do ciclo natural da existência.

Quando um pai morre nossa orbe
 fica sem um pedaço e uma ferida
se expande silenciosa até chegar o
tempo de uma inevitável metástase.

Quando um pai morre partimos para
o deserto mais instantâneo e gritamos
pelo nome do progenitor até que o
lugar inabitado destrua o eco de nosso luto.

Quando um pai morre um filho surge
em outra banda do mundo – o qual
será também, um dia, mais um pai que morre
 com todos os benefícios adquiridos pela vida e pela morte.

E as mães? Não! Uma mãe nunca morre!