sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Antiquário dos Ingratos

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. - Carlos Drummond de Andrade

Fizeram-te uma criança nessa altura dos anos.

Jogaram-te para a adoção de velhas quinquilharias.

Agora o que leva nessa bagagem antiga e cheia de traças? – o reconhecimento por ter sido tão passiva?

Teus filhos quebraram os pratos, maldisseram tua comida – trocaram-lhe por fast-foods e sucos gaseificados.

Teu marido sumido compartilha a velhice com qualquer uma que tenha menos linhas na face.

Lembra de quando batias no peito orgulhosa da postura dedicada? – mal sabia do buraco que um dia a jogariam.

Dona Neuza (a solteira), mal falada na vila, hoje canta pelo mundo e coleciona fotografias.

E a senhora onde andava, além das fronteiras da cozinha?

Mas agora é tarde e o caminho limitado. Ao redor somente muros e o rancor da ingratidão.

Nunca foste Pagu e nem Maria Bonita, então faça desde ódio somente uma lição: não existe liberdade encontrada em doutrinas. Você nunca foi costela, nem a sombra de alguém.

Desculpe-me pela realidade eu também senti a dor: fui largada pelos filhos e não tenho um vintém.

8 comentários:

  1. compartilhar a velhice foi uma das coisas mais belas que já li

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  2. Triste essa situação de quem tanto se dedicou aos outros e depois é enxotado da própria casa. Já vi alguns casos assim.

    Gostei da forma que escreveu, Lisa. Ótimo texto.

    Beijos.

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  3. Maravilhoso poema e dialog de forma digníssima com o grande Drummond.

    beijos

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  4. "Você nunca foi costela, nem a sombra de alguém". Caramba...Isso é aniquilador. Texto massa. Palmas.

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  5. É por isso que não pode haver tanto apego. E se há, então sabe-se como o futuro será. Resta somente então começar a sofrer antes para que quando enfim a velhice chegue, não seja necessário sofrer tudo de uma vez...

    Sei lá..

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  6. Hola!
    Tienes una interesante poesía. Espero nos leamos, al menos con la ayuda del google traductor.

    Saludos...

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  7. Tô encantada com as tuas letras.
    A velhice retratada sem piedade, como um simples reflexo da vida que se viveu, é raridade.

    Ótimo.

    Beijo

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