domingo, 12 de julho de 2015

Ode ao Rancor

Fanny Latour Lambert


"O que há de errado comigo
Não consigo encontrar abrigo
Meu país é campo inimigo
E você finge que vê, mas não vê"

A Fonte | Legião Urbana


Desintegram fotografias e células.
Os olhos se desmancham sobre a relva, 

as mãos se oxidam na dança do tempo,
o pai já não está e a mãe se prepara para
                                              [o beijo da Morte.

Você estuda sobre remédios
e sobre a decomposição da carne.
Vive o seu tempo e aprende
sobre antigos fantasmas e q
dentro da História familiar 
também existiram opressores.

Você sente a existência depois de terríveis dramas:
depois de sua avó perder cinco bebês e bem depois
de seu bisavô ter matado vinte índios e violentado a
honra de centenas de imigrantes.

Você existe entre bilhões e
tudo o q precisa saber é trocar
as fraldas de sua mãe, a utilidade
de cada medicamento, cicatrizar as
feridas e dizer dez vezes por dia
para sua velha: tudo vai dar certo.

Depois virá a poesia,
pois a poesia começa tarde, 
depois do crepúsculo,
depois dos velórios,
depois q as pernas falharem,
depois da pele se tornar um mapa do tempo – coberta de linhas e cicatrizes.

E se o amor começa tarde (como bem disse o poeta gauche),
o ódio acorda cedo – nas reminiscências da infância
                                                   quando a mão bruta e pesada
                                                   humilha a sua inocência para
                                                   q mais tarde só restem poemas rancorosos.








Lisa Alves (da série Necrológicos)




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