sexta-feira, 17 de junho de 2016

Idomeni





Dentro de teus olhos 
assisti a criatura 
transportando dois
meninos nos ombros.
Você pediu para eu me virasse
e eu neguei três vezes.

Justifico-me agora:

eu também
testemunhei
a passagem da
mãe e suas crias mortas:

segui cada rastro de sangue
e me juntei a ela
e uivamos feito duas lobas raivosas
e passamos sangue pelos viadutos
e perfuramos as tetas
e arrancamos o útero
e depois dormimos uma por cima da outra
ao som de uma cantiga estrangeira.


A canção era um lamento de gerações espontâneas:
mal nasciam e deitavam em um leito de terra,
mal cresciam e já se oxidavam.

A canção era preenchida de barreiras, fronteiras e arames farpados.

Sim – dentro de teus olhos! 
E você sobreviveu.






Lisa Alves | 2016
Poema originalmente publicado na Revista Portuguesa Incomunidade \ Edição 44.
http://www.incomunidade.com/v44/

*Idomeni: campo de acolhimento dos refugiados em território Grego.




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