Dentro de teus olhos
assisti a criatura
transportando dois
meninos nos ombros.
Você pediu para eu me virasse
e eu neguei três vezes.
Justifico-me agora:
eu também
testemunhei
a passagem da
mãe e suas crias mortas:
segui cada rastro de sangue
e me juntei a ela
e uivamos feito duas lobas raivosas
e passamos sangue pelos viadutos
e perfuramos as tetas
e arrancamos o útero
e depois dormimos uma por cima da outra
ao som de uma cantiga estrangeira.
A canção era um lamento de gerações espontâneas:
mal nasciam e deitavam em um leito de terra,
mal cresciam e já se oxidavam.
A canção era preenchida de barreiras, fronteiras e arames farpados.
Sim – dentro de teus olhos!
E você sobreviveu.
Lisa Alves | 2016
Poema originalmente publicado na Revista Portuguesa Incomunidade \ Edição 44.
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*Idomeni: campo de acolhimento dos refugiados em território Grego.
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