Foto: Murad Haussmann |
Meu
coração é derivado da gênese milenar de um buraco negro. Depois da primeira
explosão surge a matéria escura e permaneço palpável entre quarks e fragmentos de cristais. Até depois do fim da última substância
química sou misturada com a eliminação e torno-me a anti da anti matéria.
Não
decifro o mundo como se ele fosse uma questão exposta em um jogo de desafios.
Tudo o que assimilo são impressões – registros de um grão de areia no Saara
pendurado em seu cachos, a areia de sua boca cursando minha língua, o sal do
seu corpo invadindo os meus poros.
Amanhã
abafo a razão e faço tudo ao contrário – até o meu Sim vestirá os trajes de Nãos.
E você compreenderá que a guerra nunca esteve lá fora, a guerra comia e bebia
ao seu lado, a guerra comia suas partes íntimas e depois acendia um K2 para aliviar sua retaguarda.
Hoje
fumo e amanhã invento campanhas contra o tabaco. Incoerência? Pensa isso por
não notar a matiz escura nos pulmões, por não tratar o enfisema e nunca ter purificado
os lenços sujos de sangue. Eu vi pessoas morrerem depois de uma vida de amor e
o medo era o mesmo dos desgraçados. Todos nós morreremos com alguma dúvida – a
entrada e a saída são sempre solitárias, só o caminho é uma questão de escolha
(Será?).
Ontem
você lia Brecht e hoje não consegue
separar o ansiolítico da anfetamina. E eu odeio tudo o que nasce de você, tudo
o que brota da sua mente, todas as suas velhas manias. Contudo não consigo me
livrar de sua figura, de suas novas rugas e dos fios brancos apresentados todos
os dias no espelho.
O que
faremos depois desse Nada? Vou resumir nossa biografia em um cartão postal
personalizado – nossa foto com cinco anos de idade depois do resgate. Sei que depois
daquele acidente nos tornamos ambiexistentes
– capazes de transitar entre o Céu e o Inferno, entre Tudo e o Nada.
Carrego
você aqui dentro, em todas as pequenas coincidências, no cisco de minha unha e
não sei se lanço para fora ou mastigo a sua existência para que mais uma vez
duas coisas se tornem outra coisa ou simplesmente sejam eliminadas no período de
fusão.
Obs. Quando despertar não esqueça o saco
de pães aberto e deposite água para os gatos, da última vez que você ficou topei
com a casa toda aberta e o gato mais novo doente e desidratado. Posso até partilhar
o meu corpo com você, mas tenha a dignidade de zelar da casa na minha ausência.
Interessante isso das coisas que se unem para formar uma outra, ou para serem "eliminadas no período de fusão"... como sempre, você me fez dar uma viajada boa aqui, Lisa =).
ResponderExcluirTambém fiquei pensando sobre o caminho de alguns, que não há escolha, será solitário, simplesmente. e o solitário não vivencia seu caminho, mas tão mais capaz de "assimilar impressões" que os outros, rasga tantas veias por ele como legado.